Não reverberou.

Mais de onze da noite. Uma noite agradável, nem frio, nem calor. O dia havia sido intenso. Acordar cedo, se arrumar correndo, tomar um café quase sem açúcar, espantar o cachorro para que saísse da frente, deixar o jornal largado no meio do quintal. Chegar ofegante no ponto do ônibus e não conseguir alcançar o último que acabou de sair. Começou assim meu dia.
Chego ao trabalho cansada, suada, com a garganta seca. Ligo o computador, senha, senha e senha. Leio meus e-mails. Enlarge your pennis. Emagreça dormindo. Ganhe dinheiro sem sair de casa. Urgente! Atendo o cliente ao telefone. Não entendo o que ele fala. Desligo. Respiro um pouco. E tento começar tudo outra vez. Já está na hora da pausa para o café.
Alguns trabalhos para fazer, coisas simples. Converso um pouco, penso no namorado, olho para o celular, nenhuma ligação ou mensagem. Almoço. Ufa! Posso ver a luz do sol. Como é bom.
Stress novamente, fila para o almoço. Mais de 20 minutos para colocar um brócolis no prato. Peso. Sento e como. Fila para pagar. Saio. Agora posso sentir o calor do sol novamente. Como é bom.
À tarde, as coisas fluem melhor. A agitação é maior. Trabalhos fáceis. Tudo em ordem.
6 da tarde. Desligo o computador. Escovo os dentes, olho para o relógio da parede. Organizo a mesa e saio correndo. Tchau, tchau e tchau. Até amanhã. Encontro minha carona. Vou para a segunda etapa.
Trânsito. As luzes vermelhas dos faróis me lembram o Natal. Efeito fantástico. Converso. Durmo. Penso sobre o que eu não fiz. Relaxo um pouco.
7 horas. Aula. Amigos. Besteiras. Bar. Aula.
Meus olhos não respondem mais aos meus sinais. Eles se fecham, se fecham e tornam a abrir.
11 horas. Corro para o ponto de ônibus. Buzina. Cuidado menina! Entro e o caminho é mais rápido.
11:15. Chego. Subo correndo as escadas. Desvio de todos. Não enxergo ninguém. Catraca. Desço a escada rolante. Corro. Para o início da plataforma. Espero. Ofegante.
11:20. Espero atrás da linha amarela. Vem vindo. Todos dão um passo para trás. Menos um.
Buzina. Buzina. Buzina. O tempo congela, como uma imagem em um filme de suspense.
Então, descongelou. O gongo bateu na lateral da locomotiva e nenhum passageiro arriscou um pio.
Um gongo seco, que não reverberou. Só paralisou. Antes do gongo, o último grito. Faróis bem acesos. Não adiantou. Todos atônitos. Homens, mulheres, jovens e velhos. Ninguém acreditou.
Foi o barulho mais desolador que já ouvi. Frio na barriga, coração apertado e nada mais a fazer.
Depois de minutos, outra locomotiva chega na plataforma ao lado. Entramos. Todos continuam calados. Velando durante o percurso, num ritmo mais lento.
Num ritmo mais lento, chego. Ao descer tomo cuidado. Silêncio. Rua deserta. E o último grito vai me seguindo. Num ritmo mais lento. Num ritmo mais lento, chego. Agora estou em casa. Durmo ouvindo os sons. A buzina, o grito, o gongo. E sonho. Num ritmo mais lento.

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